Nasci no ano da Segunda Guerra Mundial.
Cresci com esse flagelo, e, quando ela terminou, continuou a crise própria dessas situações.
A minha juventude foi sendo pautada pelas consequências que, a devastação que ela causou, durante vários anos, a isso nos foi obrigando.
A falta de bens necessários, como o açúcar, que era racionado e outros, faziam com que as famílias procurassem na terra e no mar o necessário para o seu sustento.
Meu pai sentiu, mais do que eu, essas vicissitudes, porque havia uma família grande para sustentar.
Por isso, agarrou-se a tudo que era possível. Teve representações de café, cujos lotes eram embalados por ele; fabricou aniz; foi sacristão (tesoureiro, nome dado nesse tempo); sapateiro; agricultor; capataz da muralha da Lagoa e da estrada Lajes/Piedade, após ter sido “posto fora” dos correios, por razões políticas, onde exercia a profissão de carteiro, e foi também, agente nas Lajes, do iate “Ribeirense”.
Nesse tempo não havia subsídio de desemprego.
Mais tarde, voltou a ser colocado como carteiro, nas Lajes do Pico, e, já na casa dos cinquenta anos a sujeitar-se a provas, escritas e orais, para progredir na carreira, vindo a reformar-se, com setenta anos de idade. Na altura, foi agraciado com a comenda de 2º. Grau dos CTT, pelos Bons e Relevantes Serviços Prestados.
Havia, felizmente, terras para cultivar, porcos e galinhas para criar e árvores de fruta para cuidar.
No serrado da casa, na parte de quintal, havia batatas da terra e doces, favas, couves, aboboras, mogangos, melancias, feijão, salsa, hortelã, etc.
Há volta das paredes havia bananeiras, araçazeiros, goiabeiras, figueiras, e, na parte restante, semeava-se “comida” para o gado e, no devido tempo, o milho que rendia mais de meio moio. As “ladeiras” davam mais meio, bem como o serrado continuo ao quintal.
Dentro deste ambiente fui vivendo e formando-me como adolescente.
As “faltas” eram algumas. Dinheiro não havia, mas comida não faltava.
Sapatos eram os possíveis, para que o adagio não se perdesse, porque em “casa de ferreiro, espeto de pau”. O restante vestiário era quase sempre feito por minha mãe, ou então por uma senhora costureira que lá ia quando, havia disso, necessidade. Recordo que as primeiras calças compridas de cotim que tive foram feitas pela Senhora Cândida.
Da lã das ovelhas faziam-se meias, coletes, capas e casacos. Estes eram feitos com a lã das nossas ovelhas tecida em S. Jorge.
A Escola chegou quando a crise mais se notava.
No entanto, e apesar dos “serviços que me obrigavam a fazer”, nunca deixei de brincar. Custou-me algumas bofetadas, mas só me ajudaram a crescer.
Semeei milho, gradeei, tirei folha em noite de Lua Cheia, apanhei o milho, descasquei-o e debulhei-o, mudei gado, apanhei erva para o tratar, andei a cavalo, e fiz de tudo um pouco. Pesei farinha, sal, açúcar, temperos, enchi vinho, vinagre, enfim, retribui com a minha ajuda, àqueles que, também, me ajudaram a viver e a crescer. Só houve uma coisa que, confesso, nunca consegui fazer, ordenhar uma cabra.
Brinquei, como os demais rapazes da minha idade. Joguei à casola, à barra, ao pião, ao arco, fiz botes de cana, rodelas, carros de guias, etc.
Ajudei meu irmão José a armar presépios, que para mim representavam um momento alto da festa, bem como as noites do Galo.
Figos passados, um chocolate e um par de meias, serviam para nos contentar.
Eram colocados no Altarinho que minha mãe fazia, onde além do Menino, sobressaiam os pratinhos de trigo e as laranjas.
Um ano, recebi um carro de cavalo. Brinquei uns dias com ele. Gostava muito dele pois era igual ao carro de cavalo que tínhamos, e no qual, aos Domingos íamos geralmente a São João, a casa de uns amigos de meu pai.
Um dia desapareceu, e só voltou a ser prenda, no ano seguinte.
Eram as contingências daquele tempo.
Tínhamos os carros de linha, os sabugos que serviam para inventarmos as nossas brincadeiras.
Joguei à bola e desmanchei dedos e pé; aprendi às escondidas de meu irmão a andar de bicicleta com o pé entre o quadrado; fugi várias vezes para a Lagoa para me meter na água e ajudar a varar os barcos que vinham da pesca, mas tinha sempre azar de molhar os calções, e aí, além da reprimenda, vinha bofetada certa.
Mas tudo era aceite com respeito e compreensão.
Como era o mais novo e os tempos já eram outros, meus pais entenderam que havia de estudar. Mas, isso só seria viável, se houvesse alguém que desse explicações na Vila.
Entretanto, minha tia Aurora, e após ter feito o exame do 2º. Grau, preparou-me para o exame de admissão ao liceu.
Como eu, mais nove. Passamos.
Foi então que a D. Olga Soares resolveu criar um Externato no ano de 1951. Ali estive cinco anos. Como a partir do 3º. Ano, a Dona Olga só lecionava Letras, tive de ir um ano para a Horta, a fim de fazer os três anos de Ciências, e repetir Letras.
Felizmente consegui.
Havia completado 2º. Ciclo dos Liceus sem qualquer deficiência, mas com muito trabalho e sacrifício.
Frequentei bailes, na companhia de meu irmão Gabriel, fiz parte de conjuntos onde toquei bateria e cantei; mascarei-me em diversos carnavais; namorei, mas aqui, certo dia fui chamado “à pedra” onde me foi dito: “Tens duas opções, casar ou estudar”.
Entendi, e resolvi estudar e nunca me arrependi.
Comecei a trabalhar na Tesouraria de Finanças com dezoito anos, mas, para que tal fosse possível, tive de ser emancipado.
Fiquei isento do serviço militar e concorri ao estágio para Operador de Reserva dos CTT.
O vencimento que nos pagavam já dava para a pensão.
Após o exame final, fiquei a ser o número um, nos Açores, tendo a opção de escolha nas vagas existentes. Decorria o ano de 1959.
Fui colocado de imediato e passado um ano de serviço, era o Chefe de Estação mais novo do País. Três anos depois recebi um prémio pecuniário pelos serviços prestados. Foi um gesto que, em mim, calou fundo.
Foram anos de muito trabalho, pois além das oitos horas diárias, incluídos sábados e domingos, tinha, apenas, duas folgas mensais.
Talvez, por isso, e como qualquer humano cansei, e mudei de emprego.
Todavia a vida continuou com todo o seu rosário de alegrias e tristezas.
E assim, eis-nos chegados a 2013.
Passamos diversas crises. Mas todas elas foram ultrapassadas, porque as vivências de cada um eram diferentes. Do pouco que tínhamos, ainda nos restava algum.
Agora, desde que o Mundo se transformou numa “aldeia global”, tudo é diferente. Ninguém se desculpa, a palavra é coisa vã e até os amigos já são “outros”. Os verdadeiros valores perderam-se. A sociedade passou a ser egoísta e os seus componentes esqueceram-se das principais razões da sua existência. A liberdade adquirida passou a libertinagem, a educação é passado e o amor serve-se e deita-se fora, quando já enjoa.
Os gritos de crise ecoam, estão aí e são verdadeiros, mas ninguém, de per si, tenta alterar o seu “modus vivendi”, na expetativa que os outros resolvam os seus problemas.
Os jovens têm outra mentalidade da vida e isso leva-os, por vezes, a cometerem erros graves que acabam por se refletirem nas suas próprias vidas. Procura-se o caminho mais fácil. Ninguém se quer sujeitar a qualquer sacrifício, senão ao que, a “sociedade” impõe!
Todos entendem que o estudo só serve para empregos do “Governo”, e, então, ficam à espera da “luz ao fim do túnel”. Saem cedo das suas casas e passam o dia, entre aulas e lazer, e, por isso, vão sendo “moldados” de acordo com as facilidades que o dia-a-dia lhes vai oferecendo. Já pouco colaboram nos afazeres da casa, e os seus progenitores, pela idade, não conseguem manter “de pé” o cultivo das terras, e deste modo, elas vão ficando abandonadas, deixando de produzir muito do que agora se vai comprando no comércio, e que na sua maioria é geralmente importado.
Deste modo os gastos aumentam, o que não sucedia anteriormente.
Esta minha visão não deixa de ser fruto de quem viveu o antes, e vive o agora e não transporta consigo protagonismo, mas tão só, a realidade.
No entanto, estou ciente que é mais fácil ignorar os tempos passados, do que aceitar as realidades do presente
O Mundo não tem buracos e as marés vão e veem!
Temos que agir com confiança e determinação, convictos que a esperança será sempre a ultima a morrer.
Haja Saúde!
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